Thursday, June 09, 2005

O dia

Entrou no ônibus. Um desespero o tomou por alguns segundos. Sempre odiou multidões, depreciava a raça humana no geral. Pensou em gritar, mas conteve-se. Além da aflição que o consumia, em pé devia seguir sua viagem após o fatigante dia de trabalho. Estava calor e um homem alto o espremia. O pior pode piorar. Uma graciosa senhora sentada à sua frente oferece para segurar sua pesada mochila. Ele recusa e agradece. E transpira. Nunca suportou gente educada. O vida não fora educada com ele. Fora cruel. Mas isso não cabia a ninguém julgar ou não. Muito menos tinha importância naquele momento. O que desejava era sair o mais rápido possível dali. Mas ainda não era o suficiente. Um bebê dava início à sinfonia da fúria . O pranto infantil, o choro do recém-nascido. A infalível receita da antipatia. Estava em tempo de endoidecer. Mas ainda havia esperança. A senhorita dá sinal e desce. Ele senta, e por alguns instantes, rápidos, se alivia. Tira um livro de sua mochila, literatura espanhola. Horrível. Era só para passar o tempo. Mas não havia misericórdia. E um baque surdo anuncia a batida do ônibus . Nenhum ferido, nenhuma complicação. Parecia que aquilo só havia acontecido para irritá-lo, atrapalhando sua leitura. E então todos descem tensos e irritados, menos ele. A batida tinha apenas acendido suas esperanças de percorrer sozinho e tranqüilo o resto do seu trajeto. E assim aconteceu. Mais uns dez minutos de caminhada e chegou ao seu lar (se é que se podia chamar aquilo de lar). E então o medo apoderou-se de seu corpo com a aproximação de Sinval, seu vizinho. O gordo e velho Sinval. E o temível e provável aconteceu... "Boa noite vizinho!"